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quarta-feira, fevereiro 28, 2007

A Jóia



A luz do sol entrava pela persiana mal fechada, anunciava a manhã com a calma de quem nasce sem pressas. Deitada, lutando com a preguiça e os lençóis, voltou-se de barriga para baixo, procurando que o tempo parasse e para sempre mantivesse esse momento. Sorriu.


Longe, lá fora, a cidade aumentava o burburinho... anunciava a sua presença. Mergulhou num torpor lânguido, de volta por um instante ao mundo dos sonhos.


Pareceu-lhe ouvir o seu nome, uma, outra e outra vez - vozes diferentes, familiares, chamavam-na como na praia, forçando um pouco o volume para se sobrepor ao burburinho das ondas.

Estava na praia, gritavam o seu nome da areia tentando chamá-la à razão, mas ela não ouvia. Misturava-se com o mar, ela e o mar eram um só.

Entregava-se sem receios num abraço imenso, as ondas beijavam-lhe a face e o flanco, o sal do seu suor era levado pelas ondas, e o sal do mar era o seu sal.

O Mar abraçou-a, primeiro com a timidez de um namorado de liceu, que toca de levezinho, acaricia, e experimenta, que procura avançar sem assustar. Mas, depois, com a mão firme de um amante. Tomou-a nos braços e arrastou-a num bailado vertiginoso. Ela deixou-se ir, rodopiando sustendo sem esforço a respiração. As pernas esguias dançando, as mão soltas ao lado do corpo, rodopiando com num tango, entregando-se. Cada vez mais longe, cada vez mais fundo, numa vertigem íntima, tudo desapareceu, só ela e o mar sob o céu azul e o Sol, que cheio de ciúmes lhe enchia os ombros de beijos quentes e atrevidos.

O Mar não tinha limites, tocava-lhe cada centímetro, acariciando-lhe a pele, salgando-lhe a boca, misturando-se com ela no mais intimo do seu corpo. Ela entrega-se, deixava-se ir... o Mar ergueu-a na crista de uma onda e ofereceu-a ao Sol.

O corpo solto, leve, estendido sobre a onda, como se o Mar a erguesse nos braços fortes e a oferecesse ao Sol que estendeu os dedos dourados, compridos, quentes e suaves que lhe tocavam numa carícia que de tão delicada parecia feminina. Abriu os olhos e viu o sol, olhá-la... sorriu e voltou a fechá-los... gostava dos dedos dele no seu corpo. O calor do seu toque na sua barriga, acariciava-a com ternura até aos seios, e subia até à sua boca onde a fustigava com pequenos golpes ansiosos. Passou a língua sobre os lábios quentes e sentiu, simultaneamente, o calor do Sol e o sal do Mar.

A mulher, o seu corpo, estendido sobre as ondas, entre o Sol e o Mar. Dois amantes, intensos apaixonados. Os lábios, as coxas, os seios... quentes e salgados. Os beijos do Sol secaram-lhe o mar do umbigo, e procuraram outro sal, desceram-lhe pelo ventre e apertaram-lhe as coxas. Num gesto súbito, ela mergulhou, fugindo ao Sol no último momento, o Mar, cheio de ciúmes, não queria, lançava-a ao ar fazendo-a saltar entre as ondas, revoltava-se enrolava-a para de novo a lançar na vertical. Saltou, muito direita, como um golfinho, e sentiu os braços fortes, e os dedos meigos do Sol a erguerem-na no ar. E o mar segurando os seus pés, num gesto possessivo de amante ciumento.

Entregou-se com paixão, deu-se toda. Os três numa dança louca, de emoções e sensações. Num rodopio intenso, violento, urgente... depois, muito depois, quando o seu corpo adormecia num torpor lânguido e sensual, eles, Sol e Mar, levaram-na até a areia, onde sentido nas suas costas o calor dos beijos do Sol, e na sua boca o salgado do Mar, ela sorriu e adormeceu.

Quando acordou estava sobre os lençóis da sua cama, a realidade foi chamando por ela, e a luz da manhã, agora muito mais forte, entrava pelo quarto, e revelou na sua cama uma linda jóia.

Que jóia seria aquela? Como teria ido ali parar?

Passou os dedos sobre a jóia, e sentiu que era suave, pressionou-a e sentiu que era dura, abriu a mão e quando a pousou sobre ela sentiu que era quente. Quis agarrá-la e viu que era pesada e volumosa, apertou-a com força e sentiu a sua forma aceitar plenamente a sua mão, percorreu-a toda com as pontas dos dedos para a conhecer melhor, e quando os levou à boca descobriu que estavam salgados.