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quarta-feira, fevereiro 16, 2005

Afinal não acabou, mana...

Tocou o telefone, do outro lado da linha ela sorrindo dizia, parece que afinal não acabou...
E era verdade, não acabou mesmo. De uma maneira estranha, isto deixava-me triste! Com o meu fatalismo português, este fado que nos faz abrir garrafas de vinho tinto e comer broa de milho encharcada em gordura de sardinha assada e azeite, acreditava piamente que ela o veria. Talvez eu não, mas ela sim o veria. Mais uma vez ponho em causa a imortalidade. Já não bastara há uns anos, essa supresa que me deixou atónito, falecera Fernado Pessa! O jornalista que relatara durante a segunda guerra mundial os bombardeios a Londres como se fossem jogos de futebol, e que eu julgara ser eterno. Pensei que seria ele a entrevistar todos os meus amigos no centenário da minha morte, mas afinal também ele morreu, nem o pedalar na bicicleta todas as amanhãs o manteve eterno... Mas agora fiquei surpreso... ela esperava que eu atendesse o telefone. Mas estes momentos de absoluta consciencia da insustentavel leveza de se ser... são para ser vividos sozinho... quando por fim o telefone se calou, tomei uma vez mais consciencia que estava vivo, que as noticias ainda decorriam e que lá fora a noite, apesar de ventosa continuava, tranquila. Abandonando-me nos braços de morfeu ainda me apeteceu confirmar-lhe: Afinal não acabou, mana...

sexta-feira, fevereiro 04, 2005

Perguntaste-me hoje...

Perguntaste-me hoje,
Com esse sorriso tímido que nunca esquecerei,
As mais complicadas perguntas que já ouvi.
Perguntaste-me hoje, do fundo de ti.

Como responder com a verdade que mereces?
A verdade é fria e faz a gente crescer,
E por em causa tudo aquilo que levámos anos a aprender.

Se eu te pudesse responder com a mesma verdade
com que a menina, defronte da tabacaria, come chocolates.

É tão sincera a tua dúvida e a tua curiosidade,
Que nada mais merece senão a verdade.

Mas eu sei que não tenho o direito de te estragar o sonho.
Eu não posso, nem quero, que deixes já de sonhar!

Mas perturba-me e peço ajuda a quem me possa ajudar,
Como se explica o que é "sedução" a uma menina,
Que tem, ainda, muito tempo para sonhar?

terça-feira, fevereiro 01, 2005

Apressa-te, amor, que amanhã eu morro, e não te vejo!

Canção (Cecília Meireles)

Não te fies do tempo nem da eternidade,
que as nuvens me puxam pelos vestidos
que os ventos me arrastam contra o meu desejo!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã morro e não te vejo!

Não demores tão longe, em lugar tão secreto,
nácar de silêncio que o mar comprime,
o lábio, limite do instante absoluto!
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te escuto!

Aparece-me agora, que ainda reconheço
a anêmona aberta na tua face
e em redor dos muros o vento inimigo...
Apressa-te, amor, que amanhã eu morro,
que amanhã eu morro e não te digo...


Se a vida é curta, intensa e bela, mas irremediavelmente curta. Falhamos quando não a saboreamos plenamente em todo o momento. Amar, essa urgência natural do ser pensante, que é no fundo a única razão de se ser. Pois o amor é, nada mais que a propria vida. Nele se gera vida, sem ele não há vida.
Quando passamos um dia a fugir do amor, estamos a fugir da própria vida, do sabor do que é ESTAR VIVO.
Amar é a aventura de viver, o momento, o tempo. Quando magoamos quem amamos, quando sentimos e negamos, quando para justificar a razão de não amar inventamos e imaginamos, estamos à espera de um amanhã em que tudo será diferente... e talvez até seja. Mas perdemos o hoje, negamos o desejo e pode ser que amanhã eu morra e já te não vejo!