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sábado, junho 20, 2009

As asas servem para voar




Passeávamos os dois, ao fim da tarde, como às vezes fazíamos. Ele, na altivez desengonçada dos seus três anos, segurava a minha mão ficando quase em bicos de pés. A certa altura disse-me:
- Sabes, pai, eu sou um pássaro!
- Não sejas parvo, és um menino, estou sem paciência para essas coisas!
- A sério! Tu não sabes mas eu tenho asas!
- Tive um dia terrível filho, desculpa mas não estou com paciência para essas fantasias!
- Tu não sabes que eu tenho asas porque eu as tenho escondidas...
- Sim, sim...
- Sou como os pombos, vês? - disse apontando-me um grupo de pombos que debicava um pouco mais à frente. - Quando não estamos a voar temos as asas escondidas.
- Então e o que fizeste hoje lá no colégio? - tentei mudar de assunto e seguir uns conselhos de uma revista que diziam que devemos mostrar interesse pelas actividades deles.
- Viste aquele pombo que levantou vôo? Agora já se vêem as asas!
- Queres parar com essa conversa antes que me irrite? Comeste o almoço todo?
- Comi o milho...
- Chega! Não quero saber mais disso!
Chegamos aos relvados da Expo, a calma do estuário e o comprimento infinito da ponte ajudavam-me a sublimar algumas das minhas tensões:
- Vá, aproveita e vai brincar um bocadinho para a relva!
Ele olhou-me nos olhos com aquele sorriso malandro de quem me percebe mais que o que eu julgo possível. Largou a minha mão e correu pelo relvado em direcção ao rio. Parou no cimo de uma elevação de terreno, acenou-me, e perante o espanto do meu olhar abriu as asas que tinha escondidas e voou rindo sobre a minha cabeça.

2 comentários:

apricare disse...

maravilhoso.profundo.verdadeiro.
..voador!!!
obrigada pela partilha :)

Ana Átman disse...

Ah, que lindo!!!
Também quero voar.
Acabei de descobrir que a minha fé, o meu sorriso e o brilho do meu olhar vêm da criança que mora em mim.
Oba!!! Brigada. Bjs