A Morte saiu à Rua - Zeca Afonso
A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai
O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu
Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou
Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas duma nação.
A morte saiu à rua num dia assim
Naquele lugar sem nome pra qualquer fim
uma gota rubra sobre a calçada cai
E um rio de sangue dum peito aberto sai
O vento que dá nas canas do canavial
E a foice duma ceifeira de Portugal
E o som da bigorna como um clarim do céu
Vão dizendo em toda a parte o pintor morreu
Teu sangue, Pintor, reclama outra morte igual
Só olho por olho e dente por dente vale
À lei assassina à morte que te matou
Teu corpo pertence à terra que te abraçou
Aqui te afirmamos dente por dente assim
Que um dia rirá melhor quem rirá por fim
Na curva da estrada há covas feitas no chão
E em todas florirão rosas duma nação.
Foto de William Klein(NY, 1954)
A morte saiu à rua uma noite passada
E dois corpos jovens tombaram
no meio de uma estrada.
Foi o ódio que os matou,
não a bala na cabeça,
antes de morrer já estavam mortos.
E quem os matou fomos nós.
Podem ter a certeza.
Osvaldo, Francisco e os sem nome,
nossos filhos ou do Patolas?
Em vez de serem míudos,
vendem droga, usam facas e matam com pistolas.
E é quase natural haver contas pra ajustar.
E o povo vai levando, com a brandura habitual,
é que a vida vale menos só por ser um marginal.
Deviam matar-se todos, grita o velho reformado
até ver que é o seu neto que jaz na estrada deitado.
É tudo um bando de pretos, que não querem trabalhar,
mas era um miudo branco que a policia foi buscar.
Era filho, era amigo, e escreveu o seu destino,
matou um do gangue rival, e ficou um assassino.
E na fuga em bando de putos, o novo heroi perfeito,
estica o braço a um amigo e acerta-lhe no peito.
Assaltam miudos do liceu, levam ténis telemoveis,
e coisas estranhas até.
Acabou com duas mortes, mas começou num boné!
E fechamos nós os olhos, enterramos a cabeça na areia
fechamos a boca, as janelas, as portas, pra não levar uma tareia.
Diz o poeta inglês: que a Sintra não damos valor,
pois é bem perto de Sintra, que se vive um tal horror.
Este lugar já não tem nome,
Já não é o meu país,
é uma replica pobre daquilo que eu nunca quis.